Menos carros, mais pessoas: Fortaleza e Barcelona querem mudar suas ruas

Qua, 22 de Agosto de 2018 09:00



Definitivamente vivemos em cidades onde toda a infraestrutura viária foi pensada para facilitar a mobilidade tradicional, ou seja, carros, motos e ônibus. Mas não foi sempre assim. Se observarmos fotos de nossas grandes cidades no início do século 20 notaremos uma outra realidade. As ruas pertenciam mais às pessoas. Mais do que artérias usadas para fluir a mobilidade, as ruas eram verdadeiros espaços públicos de convivência. E se eu te contasse que esta realidade está voltando? Várias cidades estão transformando algumas de suas ruas não somente em locais exclusivos para pedestres, mas em verdadeiros oásis urbanos. Por sinal, o conceito de área exclusiva para pedestre não é novo. Os primeiros projetos urbanos para separar pessoas de “veículos sobre rodas” datam do período do renascimento europeu, entre os séculos 14 e 17. Um dos mais tradicionais exemplos é o famoso mercado Arcade, de Paris.


O conceito voltou a fazer parte dos projetos urbanos no inicio da década de 1970. A rua Graben, em Viena, e a rua Stroget, no coração de Copenhague são bons exemplos na Europa. No Brasil temos a famosa rua XV de Novembro, em Curitiba, que data de 1972. Esse conceito evoluiu muito nos últimos anos. O que era simplesmente a proibição de veículos motorizados em uma via, passou a ser uma estratégia de urbanização e socialização bem mais complexa e sofisticada.

A nova tendência consiste na criação de zonas sociais integradas. Não necessariamente proibindo a passagem de veículos, mas colocando o pedestre como principal protagonista e usuário da infraestrutura. Em Barcelona temos um projeto bem interessante e polêmico chamado de SuperIlhas – Superilles em Catalão. A primeira implementação do projeto aconteceu exatamente no bairro em que eu resido, chamado El Poblenou. Foi escolhida uma área de 9 quadras onde todo o trânsito interno do bairro foi alterado para dar lugar à reurbanização das ruas. Com a SuperIlha de El Poblenou foram criadas áreas esportivas, playgrounds para as crianças, espaços de convivências como mesas e cadeiras e locais para exposições de artes e atividades culturais ao ar livre. Tudo literalmente no meio da rua. O trânsito local foi limitado em sua grande parte com uma velocidade máxima de 30 km/h, afastando os motoristas que antes passavam por ali regularmente em suas jornadas diárias. Agora, praticamente só passam por ali moradores ou quem tem algum compromisso na região.

Essa restrição, que deixou felizes os moradores, também criou uma grande polêmica entre os comerciantes da região, que reclamam da diminuição do fluxo de veículos e consequentemente do número de clientes. Para 2018 estão previstas a criação de outras 5 SuperIlhas na cidade, com um investimento programado na ordem de 45 milhões de reais. Prometo te manter atualizado de como essa história vai terminar! 


Na minha opinião, essa ideia é ótima porque transforma o simples “pedestre” em cidadão, uma vez que ele passa a ter novamente direito ao uso total do mobiliário urbano como local de convivência. No Brasil, um projeto semelhante chama a atenção por ter a mesma essência: em Fortaleza, Ceará, foi inaugurada mais uma etapa do projeto chamado Cidade da Gente, exatamente com uma intervenção semelhante na região da praia de Iracema, nas ruas vizinhas ao Centro Cultural Dragão do Mar.


O projeto da prefeitura pretende revitalizar e ocupar espaços urbanos com a pintura e sinalização das ruas. O melhor é que o projeto conta com o apoio de empresas privadas locais como a fabricante de tintas Hidracor, diminuindo assim os custos de implementação para a prefeitura. “São projetos como, esse conduzidos pela nossa Secretaria de Conservação e Serviços Públicos, orientados ao cidadão, que tornam Fortaleza um lugar melhor para se viver”, afirma Cláudio Ricardo Gomes de Lima, presidente da Citinova, a Fundação de Ciência, Tecnologia e Inovação de Fortaleza, responsável pelos projetos de cidades inteligentes.

Assim como o projeto de Barcelona, a iniciativa visa a promover a interação da comunidade criando novos espaços de convivência. O projeto Cidade da Gente foi inaugurado em setembro de 2017 atuando no bairro Cidade 2000. Na época, a intervenção foi feita na Avenida Central usando uma tinta de fácil remoção, jarros de plantas e cones de sinalização para a criação de uma área exclusiva para pedestres. Fortaleza se inspirou em outras iniciativas similares realizadas em Bogotá, Nova Iorque e São Paulo.

Na capital paulista foi criado inclusive o Estatuto do Pedestre. O documento visa não somente estabelecer os direitos e deveres do pedestre, mas promover a segurança no trânsito para os mesmos e principalmente incentivar a mobilidade a pé. Para isso, é de fundamental importância repensarmos a infraestrutura voltada para o deslocamento a pé nas nossas cidades.

No fim das contas, todas essas ações visam a melhorar a qualidade de vida nas nossas cidades. Falando nisso, todos os anos é divulgado o ranking MERCER de qualidade de vida nas cidades. Em 2018, a capital austríaca Viena levou o título mais uma vez – a 9a consecutiva – seguida por Zurique, Auckland, Munique e Vancouver. Adivinhe o que essas 4 cidades têm em comum? São todas bem conhecidas como “cidades caminháveis”.

Pequenas ações na mobilidade urbana da sua cidade podem trazer grandes benefícios para a qualidade de vida de todos. E o melhor, podem custar muito pouco e ter um grande potencial para atrair parceiros investidores do setor privado, como vimos no projeto Cidade da Gente de Fortaleza. Que tal ir bater um papo com seu vereador ou prefeito e propor a ele algo similar?
 
 
 
TEXTO DE RENATO DE CASTRO

FONTE:  CIDADES MAIS INTELIGENTES

 

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