Romeu Duarte em sua coluna no jornal O POVO: Estação de viver

Seg, 22 de Julho de 2013 09:50



Romeu Duarte, Conselheiro Vitalício do IAB- CE e Ex-Presidente da entidade nacional, escreve em sua coluna semanal no jornal O POVO.

Qual é a desse julho preguiçoso e bonachão, tirando-me da reta do trabalho e levando-me sinuoso ao fim de tarde na Praia do Futuro?
O que quer este julho, molhado e mais frio que os seus iguais anteriores? Já se cumpriu a sua metade e ele, malandro, nem aí, desfazendo-se em vento e luz solar, brincando nas copas das árvores, desfolhando-as qual calendários, despindo-as como à mulher que se deseja. Qual é a deste julho preguiçoso e bonachão, tirando-me da reta do trabalho e levando-me sinuoso ao fim de tarde na Praia do Futuro, meu olhar vidrado nas sombras longas sobre a areia e nos tons de prata no verde das ondas? Soprando a brisa, talvez ele queira me dizer, dando uma de Horácio em paletó de Falcão: aproveita o dia, abestado, que se lasque o amanhã...

A cidade maltratada se deixa enlevar e seduzir pela ventania ensolarada deste mês regido pelos signos de Câncer e Leão, amante epicurista eternamente em férias tomando sorvete de sapoti em casquinha. Não, senhoras e senhores, não o perturbem com sua pressa de internet que julho é assim mesmo, especialmente este, pois ele vai quando e para onde quer, calção, chinela japonesa e bicicleta na feira de Messejana, dedo de prosa e uma terça de cana no Bar do Adão. Seu corpo esguio desliza por todas as calçadas, num convite ao nada fazer, ou melhor, ao tudo curtir, pois já, já é agosto, mês do desgosto e aí, doido, babau...


Há muito julho atrás, aprendi a lidar com esta data folgazã. Fim de junho, no pingo das doze badaladas de uma sexta feira, a sirene do Colégio Cearense inaugurava, com Deus, pela pátria e por Maria, a pagodeira de meio de ano. Carros apitando, bagagem e compras na traseira, meninos correndo, sítio, fazenda, praia, avião, Pão de Açúcar. Racha de manhã e de tarde, goiaba comida no pé, luta de arraias no céu cortado de cerol, bila, patinete, rolimã, as ruas tortas da Aerolândia. O relógio, junto com os livros e cadernos, jogados no fundo da gaveta do esquecimento. Ao voltar para casa, todo sujo e fedendo a cassaco, minha mãe braba, “que horas são, cabra?”, e eu dizia: “Julho”.


Não é preciso muito para entendê-lo: julho é manhãzinha fria com rolinhas acordadas sobre o galho da acácia que já não há. É a chuva que não caiu em abril e que chega agora, docemente atrasada, para voltar cheirando a caju em setembro ou outubro, se Deus quiser. São os alísios tangendo as nuvens na abóbada celeste com um aboio de adeus. É acreditar que se vive o inverno em dias mais curtos mesmo que às vezes se amaldiçoe quenturas e mormaços. É ter o coração, o pensamento e a alma sem planos, abertos às muitas possibilidades do devir. É este boto saltando entre as vagas de Iracema, navegando emoções em sua breve existência de bicho do mar.


Portanto, aceitemo-lo como ao amigo que traz a boa nova, oferece o prato saboroso, serve o vinho bom. Não o apoquentem com conversa de trabalho que ele tem alergia a esta palavra, sofre urticárias só de ouvi-la. Embalem-no (e a si mesmos) com assuntos ligeiros, o cachorro vendo o por do sol, o sorriso misterioso da morena bem apanhada, a viagem de carro amanhã cedo para Quixadá (quem sabe a gente não vê um disco voador entre os monólitos?), o choro do violão e da sanfona no sarau de logo mais. Sem o ar solene do ócio imperioso de dezembro e janeiro, julho é a ansiada pausa que refresca entre semestres, providencial borracha entre frágeis cristais, a minha mão na tua e a lua lá.


Ajudando-me a arrumar um fim, com sua voz ecoando dalgum baile perdido no passado, insinua-se sutilmente Billy Paul: “July, July, July, July, oh me, oh me, oh me, oh my…”.

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